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sábado, 20 de setembro de 2025

MEMORIAS DE MARTHA (LISTA FUVEST)


 

Caros vestibulandos e leitores, hoje seguimos com nossa breve análise dos livros para o vestibular da FUVEST. Agora é a vez do livro “Memórias de Martha”, da escritora Júlia Lopes de Almeida, obra originalmente publicada em capítulos, como os folhetins românticos entre os anos de 1888 e 1889. Ao longo do tempo, foram lançadas três edições que possuem algumas pequenas diferenças. O romance, lançado em 1888, sempre foi sinônimo de dificuldade para ser obtido, apesar de sua importância histórica como o primeiro enredo sobre um cortiço.

                Agora, como já é de praxe, vou apresentar em poucas linhas sua autora: Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida foi escritora, cronista e teatróloga. Escreveu literatura infantil, romances, crônicas, peças de teatro e, desde o início, suas obras já demonstravam uma mulher à frente de seu tempo. Júlia fazia parte do grupo que planejou a criação da Academia Brasileira de Letras, contudo ficou de fora da primeira lista de “imortais” pelo simples fato de não ser homem. Em seu lugar foi empossado o marido, o escritor português Filinto de Almeida.

Mas, antes que alguém pergunte, vamos para a história: tudo começa por uma mulher já adulta, que começa a contar sua vida desde quando criança. Martha, a protagonista, perde seu pai, provedor da família. Com isso, a mãe, que também se chama Martha, não vê outra solução a não ser trabalhar como engomadeira para poder sustentar as duas. Elas, que tinham uma vida até razoável, com certo conforto, agora, com a pouca renda originada do serviço da mãe, veem-se obrigadas a morar em um cortiço em São Cristóvão, lembrando que os cortiços eram a grande sensação de moradia popular na época. A filha sente tremenda repulsa pelo lugar: úmido, constante mau cheiro devido a se localizar próximo a um matadouro, sempre sobrevoado por diversos urubus. Como se não bastasse, o quarto em que vivem é descrito como estreito, escuro e abafado, como de deveriam ser todos os outros, pois os cortiços eram quase que a última alternativa em questões de moradia devido a precárias estruturas e a localizações desfavoráveis.

A mãe, agora também costureira, trabalha arduamente para poder prover o sustento do lar e procura propiciar à filha a oportunidade de estudar, o que acaba se tornando o grande objetivo de Martha. Tudo o que ela mais quer é sair do cortiço, pois aquele ambiente cada vez mais a faz sentir a humilhação de ser pobre. Isso fica mais evidente ainda quando ela começa a comparar sua vida com as demais meninas que frequentam a escola com ela. Tal sonho começa a se tornar possível desde o momento em que Martha entra na escola. Lá ela conhece D. Aninha, uma professora que passa a incentivá-la para que estude e para que tente a carreira no magistério. Depois de algum tempo, Martha se torna adjunta e passa a receber um salário. Sua situação começa enfim a mudar porque agora ela já consegue alugar uma pequena casa e, finalmente, deixar de uma vez por todas o cortiço, o que pode ser encarado como uma grande vitória em sua vida.

Entretanto, nada disso vem fácil assim para ela, tudo é fruto de um esforço absurdo, pois a vida começa a mostrar as barreiras que toda mulher enfrenta em sua busca por independência. Ela chega a ser diagnosticada como histérica e o ouve do médico que deveria procurar por casamento, como se esse fosse o seu problema: não ter um homem ao seu lado. Procurando ajudar a moça para aliviar a tensão e a pressão social, D. Aninha a convida para passar as férias com ela em um lugar distante dali. Nesse local, ela é apresentada para Luís, primo de sua professora. Ela acaba se apaixonando por ele, todavia eles são muito diferentes, pois enquanto ele parece ser um rapaz cheio de vida, alegre e extrovertido, ela anda sempre triste, séria demais e muito tímida. Ao não ser correspondida, Martha acredita que a causa seja por ela ser feia e pobre. Aqui notamos que uma espécie de complexo de inferioridade a persegue.  A situação leva a moça a questionar se realmente o amor verdadeiro existe.  

Enquanto estava de férias, ela escrevia frequentemente cartas para a sua mãe. Nelas, demonstrava toda a sua paixão por Luís. A mãe passou a mostrar as cartas para um cliente chamado Miranda, que há um tempo estava viúvo e desde então vivia sozinho com os filhos. Após tantas leituras e comentários da mãe, Miranda acaba se apaixonando por Martha por causa de seus escritos, pois nunca tivera qualquer contato com ela. Ela finalmente participa de um concurso para professora e acaba sendo aprovada. Miranda então pede sua mão em casamento. Num primeiro instante, ela não aceita porque não sente nada por ele.

Martha, agora mais do que nunca, tem a possibilidade de ser independente, porque já possuía um emprego e, portanto, não precisava se casar por conveniência. Porém a mãe insiste com ela sobre a frágil reputação das mulheres que permanecem solteiras depois de certa idade. Depois de pensar e ouvir a mãe, ela decide aceitar, mas não deixa de lembrar seus sonhos e lamentar seu destino.  Depois de oito dias do casamento, a mãe vem a falecer. Ao que tudo indica, estava adiando o fim até que tivesse certeza que sua filha não ficaria desamparada e que, enfim, sua missão fora cumprida. Agora podia descansar em paz após essa luta de tantos anos. Martha termina sua narrativa dando-se por realizada com o espaço que conquistou.

Quanto aos elementos, o foco narrativo conserva-se na primeira pessoa, com a própria Martha sendo a narradora e protagonista. O leitor acompanha suas lembranças, iniciando pela infância, passando pela juventude difícil e chegando enfim à vida adulta. Tal história é contada por meio de suas percepções e reflexões sobre o ambiente à sua volta, permitindo ao leitor ver de perto as experiências e emoções de Martha. Ao explorar a subjetividade da personagem, o leitor pode ter uma visão íntima da realidade social da época, o que vem a reforçar a crítica social, pois, por meio de suas experiências, tem-se acesso às dificuldades enfrentadas pelas mulheres de sua época. O retrato dela é o retrato da mulher no final do século XIX.

O tempo da narrativa é marcado pela alternância: o momento presente em que a protagonista relembra sua história e a infância e juventude, permitindo que se acompanhem suas recordações, mesclando suas impressões do passado com reflexões de sua trajetória, pois se trata de uma mulher madura que interpreta os eventos do passado com a experiência do presente, podendo compreender as marcas que o tempo deixou. O espaço central da narrativa é o cortiço no Rio de Janeiro, onde Martha e sua mãe vivem em condições precárias. Outros espaços são citados, porém com menor importância, na maioria das vezes, servindo como contraste com a realidade do cortiço, símbolo da miséria e desigualdade, revelando a crítica social da obra.

A obra apresenta-se por meio de diversas transgressões: autoria de uma mulher, a não aceitação do casamento por Martha, o seu atributo intelectual e não físico como era comum nas protagonistas, demonstrando a profundidade tão ignorada das mulheres. Destaque para os estudos e o trabalho como desejos de uma mulher e trilhas para sua satisfação, valorizando  

a posição de independência e enfatizando a capacidade da mulher para vencer desafios. Além disso, há um certo pioneirismo em focar a educação como uma forma de ascensão social.  Martha busca o casamento como ato de amor e não como garantia econômica. Mas seu caminho não será nada fácil diante das hostilidades que recebe de uma sociedade patriarcal.

Na obra, podem-se observar elementos do Realismo, como descrições detalhadas de cenas e espaços do cotidiano, também elementos do Naturalismo como a questão do Determinismo que, acaba sendo refutado, em parte, pelo exemplo da protagonista. Apesar de acabar cedendo a uma vontade da mãe e acabar se casando em nome da estabilidade, da moral e dos bons costumes, Martha termina o romance sentindo-se uma vencedora.

                Vou ficando por aqui, caro vestibulando. Espero ter sido útil. Até a próxima obra.

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