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sexta-feira, 19 de setembro de 2025

DUAS PAIXÕES NUM SÓ CORAÇÃO


Zeca Pereira é poeta, cordelista e editor. Desde 1993, trabalha com literatura de cordel, primeiro como folheteiro, depois como cordelista e, por último, como editor. Tem ministrado oficinas de poesia e de literatura de cordel nos mais variados eventos pelos quatro cantos do Brasil. Como cordelista tem dezenas de cordéis editados, com destaques para “A confissão de um drogado” editado pela Editora Luzeiro e “A alma de uma sogra” que está indo para sua sétima edição. Como editor tem organizado inúmeras antologias reunindo cordelistas de todo país. É o atual bicampeão do concurso de cordel (ZOORDEL 2022/2024) organizado pela Universidade Estadual de Feira de Santana e pelo Museu do Sertão. Há algum tempo escreveu, vendo a necessidade de aprimoramento e de conhecimento sobre o cordel, um manual com as técnicas de escrita intitulado ABC DO CORDEL. Zeca também é membro da Academia Barreirense de Letras.

Seja bem-vindo, Zeca, ao nosso espaço de entrevistas do blog Cosmo Literário. É uma grande alegria ter você aqui conosco para esse bate-papo.

O prazer é todo meu e espero corresponder às expectativas dessa entrevista.

Você, cordelista já há um bom tempo, pode começar nos contando como foi que começou essa história com o cordel? Como você se tornou um escritor conhecido e em atividade até hoje?

Meu contato com o cordel foi através de amigos de infância. Nós comprávamos os cordéis na feira, líamos e passávamos dia e noite decorando. Tudo isso só para saber quem conseguia decorar mais estrofes. Com o passar do tempo me tornei um folheteiro nas feiras de Barreiras e de São Desidério (município vizinho) a partir de 1993. Somente em 2002 editei o meu primeiro cordel intitulado Os lamentos de um ancião no asilo.

O que chamou e ainda chama a sua atenção no cordel que você não encontrou em nenhum outro gênero literário e fez você seguir com ele até hoje?

O que mais me cativou foi a maneira simples de se narrar uma história e a forma como você pode envolver as pessoas com ela, lendo, declamando ou até mesmo cantando as histórias. Como eu tenho dito: "Têm coisas que só acontecem no cordel".

Nesse longo caminho que você tem trilhado, você chegou a ter alguma referência que o inspirou ou o conduziu como cordelista?

Claro. Eu posso afirmar que a minha referência são os clássicos do cordel brasileiro. Sempre busquei saberes nos cordéis de Leandro Gomes de Barros, Manoel D’Almeida Filho, Antônio Teodoro dos Santos, José Pacheco da Rocha entre tantos outros.

Falando em clássicos, você tem defendido constantemente nas redes sociais a leitura dessa classe de cordéis. De uma forma geral, você nota uma grande diferença entre eles e os cordéis que são publicados na atualidade?

Nos cordéis clássicos encontramos tudo que um bom cordelista precisa para escrever de maneira clara e envolvente seduzindo o leitor, fazendo com que ele vá da primeira à última estrofe e ainda ficar com o desejo de querer mais. Posso até comparar como algo viciante. Os cordéis de hoje em dia não são tão atrativos, tanto que alguns autores editam 100 exemplares e passam mais de um ano para vender. Vejo alguns autores ainda presos em temáticas do passado como: fome, seca, miséria, amores proibidos etc... E isso já não chama mais a atenção dos leitores, principalmente dos jovens.

Concentrando-se na estrutura do cordel, que tem como base os princípios da métrica, rima e oração; você considera que dominando esses três elementos o cordelista tenha garantia suficiente de um bom cordel? Por acaso falta mais alguma coisa ainda?

Como você disse: rima, métrica e oração são os três pilares que sustentam o cordel, no entanto, há outros elementos necessários que não podem ser esquecidos como a linguagem usada, uma boa dose de lirismo, entre outras coisas. Eu costumo dizer que a melhor cartilha para aprender a escrever um bom cordel são os clássicos publicados pela Editora Luzeiro, pois foi com eles que aprendi o passo a passo da boa escrita.

Em sua considerável trajetória, que começou antes do advento da tecnologia, como você enxerga, nesse exato momento, a influência das mídias e das redes sociais na divulgação da literatura de cordel? Houve alguma mudança positiva e/ou negativa?

As mídias e as redes sociais têm sido muito importantes para a divulgação do cordel, aquilo que, para muitos, parecia que iria atrapalhar, no fim das contas, veio para ajudar. Por outro lado, é uma pena que existe muita gente nas redes que sai escrevendo qualquer coisa por aí e depois sai dizendo que é literatura de cordel. Fora isso, não há do que reclamar.

Além do cordel, muitos dos seus leitores não devem saber, mas você também exerce a atividade de radialista. O que o levou ao rádio? Como você faz para conciliar essas duas atividades tão diferentes?

Minha atividade como radialista começou em 2017. No início, o programa apresentado era voltado para o cordel e para o repente. Eu apresentava sempre aos sábados das 18h às 20 horas. Talvez pelo horário ou também pelo público não estar acostumado a ouvir repente, o programa não decolou, No ano seguinte, inaugurei outro programa das 16h às 18h de segunda à sexta, esse, voltado para o brega e para o sertanejo, o que foi um sucesso, tanto que até hoje é o programa com maior participação de ouvintes. Cordel e rádio são minhas paixões, mas como juntar não deu certo, tenho separado o público do radio e do cordel, diferente de outros radialistas que também são cordelistas. Muita gente que ouve o meu programa não sabe que escrevo assim como também muitos leitores espalhados neste país não sabem que sou radialista e assim eu tenho dois públicos distintos.

Quando foi que surgiu na carreira do escritor a ideia ou a necessidade de também ser um editor? Como se deu esse processo?

Na verdade todo escritor já é um editor o que falta é só expandir o número de edições. Eu, por exemplo, editava meus cordéis em gráficas, porém era tudo coordenado por mim: imagem da capa, diagramação, fonte etc. A ideia de ser um editor de obras de outros autores surgiu após a Editora Luzeiro, em 2016, resolver não lançar mais novos autores. Então comecei a formar parcerias. No caso, eu editava 250 exemplares, 100 exemplares o autor comprava de mim e os outros 150 iam para o catálogo da Nordestina Editora. Também passei a editar cordéis de domínio público, principalmente os de Leandro Gomes de Barros.

Deve haver diversos escritores por aí que já devem ter cogitado a ideia de também serem editores. Que conselhos você pode dar a eles em relação aos maiores desafios que você encontrou?

Na verdade, a maioria dos novos editores surge a partir do momento que aprendem a diagramar e imprimir o seu próprio cordel, porém, é necessário entender que ser um editor vai muito além disso. É preciso estudar sobre os editores, ter visão sobre o que pode ser melhorado nas edições, criar estratégias de venda, precificação e ainda ser um bom empreendedor. O meu maior desafio como editor sempre foi encontrar novos revendedores. No passado, havia os folheteiros que viviam de feira em feira vendendo cordéis. Hoje, eles são os donos de bancas de revistas, livrarias e papelarias e muitos não têm o interesse de revender cordéis. Alguns na verdade nem sabem o que é cordel.

Após tanto tempo como cordelista, você se aventurou pela prosa e publicou o livro “O cordelista tem que morrer”. Como surgiu essa ideia? Houve alguma diferença no processo criativo?

A ideia de escrever em prosa foi por ter feito de improviso algumas estrofes engraçadas zoando os amigos, principalmente em bares, e essas estrofes ficarem circulando entre eles, mas eu não tinha como aproveitá-las para impressão. Então surgiu a ideia de criar o personagem Zé do Cordel e escrever sua história em prosa, aproveitando as estrofes que seriam ditas por ele de improviso. O processo de criação foi muito lento pela falta de experiência e não saber como finalizar a história. O processo levou cerca de quatro anos, mas valeu a pena.

Zeca, o blog Cosmo Literário agradece o seu tempo e a sua presença. Foi muito bom poder ouvir as suas experiências literárias. Até a próxima.

Sou eu que agradeço pelo espaço para tratar de um assunto tão importante que é a literatura de cordel reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro. Um abraço e até a próxima


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