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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

CANÇÃO PARA NINAR MENINO GRANDE (LISTA FUVEST)


         Caros leitores e vestibulandos, vamos dar continuidade à análise dos livros da lista FUVEST. Agora é a vez da obra “Canção para ninar gente grande” da escritora Conceição Evaristo, publicado em 2018 e que ganhou nova edição em 2022 por escolha da autora, que fez questão de acrescentar algumas ideias que ela notou ausentes e necessárias em relação à edição original. 

Falando um pouco sobre a autora: Conceição é escritora, ficcionista e ensaísta. Possui doutorado em Literatura comparada e começou como escritora em 1990. De lá para cá, teve a maior parte de seus livros traduzidos para outros idiomas, colecionou diversas homenagens e, entre outros prêmios, foi vencedora do troféu Jabuti em 2015 com a obra “Olhos d’água”. Já teve livros aprovados para o PNLD e é hoje uma das escritoras negras mais lidas do país, com textos marcados pela forte presença feminina e negra. 

Agora, vamos ao enredo: Fio Jasmim, o protagonista, tem um casamento prometido com Pérola Maria desde os 20 anos. Incentivado pelos amigos do trabalho e tomado por um trauma de infância, ele resolve exercer toda a sua virilidade sobre as mulheres que encontra pelo caminho. Uma delas, Neide Paranhos da Silva, uma jovem de 19 anos, cujos pés faz Fio reconhecer nela uma Cinderela Negra, o que o faz relembrar o grande trauma de sua infância: sua professora não o deixou ser o príncipe da história, mas, sim, um menino branco. Antes que ele parta, Neide pede que ele lhe dê um filho.  Depois de Neide, aparece Angelina Devaneia da Cruz, uma enfermeira, de 32 anos, que vivia à espera de um noivo para casar. Fio a conhece um pouco antes de se casar com Pérola e ao chegar à cidade dela é visto como o noivo pelo qual ela esperava, convencendo a todos, o que não passa de uma brincadeira que faz a moça cometer suicídio de tanto desgosto. 

        Aos 33 anos, Fio conhece Juventina Maria Perpétua, que tem apenas 17. Ele lhe dá uma margarida e ela enxerga nele a possibilidade de um amor e verdadeiro. Com ela, ele tem uma relação bem diferente das outras. Tornam-se amantes por anos, apesar dos conselhos de pessoas próximas a ela. Tina via nele a figura masculina que nunca teve em casa e escrevia-lhe diversas cartas de amor que ele nunca leu e que eram encontradas por sua mulher. Fio continuou conhecendo outras mulheres: Aurora Correa Liberto, uma moça alegre que nunca mais foi a mesma depois de deixada por ele, Dolores dos Santos, que teve duas filhas gêmeas dele; Dalva Ruiva, que teve mais três; Eleonora Distinta de Sá, com quem teve uma relação mais de amizade.  

        Anos depois, Depois de alguns anos, passa a viajar e procura compreender como funciona o amor das mulheres. Após 35 anos, termina de vez sua relação com Fio e dedica a ele o livro que fez. Fio reflete sobre os acontecimentos de sua vida: as mulheres, os filhos, e revê suas atitudes, mas agora é tarde demais para qualquer coisa. No fim, uma narradora-autora assume o foco como uma relatora da vida de cada uma dessas mulheres.

        Quanto aos elementos, o foco narrativo não se encontra no protagonista, mas nas vozes femininas que narram as histórias, retomadas por uma narradora que as reúne com suas vivências e experiências diversas. O tempo não é linear, pois faz uso do fluxo de consciência, partindo do presente do protagonista em direção ao seu passado. As mulheres com as quais se relaciona também não seguem uma ordem rigorosamente cronológica, formando uma narrativa fragmentada, porque o eixo está nas relações consumadas por Fio. Também não se encontra um contexto histórico especificado na obra.

São diversas as temáticas trabalhadas no romance, podendo começar pela masculinidade tóxica construída em cima do protagonista, um homem que deseja se mostrar viril e conquistador, incentivado pelos amigos e acreditando que isso iria deixá-lo no mesmo nível dos demais homens. Essa visão do personagem sempre acaba por voltar ao trauma da infância em que lhe negaram o papel de um príncipe. Apesar de belo, viril e desejado por tantas mulheres, ele ainda se sente inferior e não se livra da sensação de que está faltando algo. Por outro lado, essa busca se dá à custa dos sonhos e felicidade de várias mulheres com as quais se relaciona, inclusive uma delas acaba por tirar a própria vida, o que vem a reforçar a estrutura patriarcal de nossa sociedade.

        A obra explora a complexidade por trás da construção da personagem masculina, além de ressaltar que ele busca uma superioridade se baseando em um modelo que não diz respeito ao próprio negro. Não é só sobre machismo, mas racismo também. A autora preocupa-se com o rumo de homens e mulheres negras, vítimas constantes de tantos preconceitos. Fio é, ao mesmo tempo, vítima e algoz do sistema: se por um lado, iludiu e usou as mulheres, por outro, não se pode afirmar que todas elas eram inocentes a respeito de suas intenções.

        A obra é caracterizada por uma sucessão de elementos normalmente presentes no cotidiano, uma narrativa que se dá de forma plural (na voz das mulheres) no tocante aos mais variados temas que envolvem as relações entre pessoas envolvendo uma grande gama de sentimentos e emoções na busca por melhores referências simbólicas para homem e mulheres negros nesse Brasil. O protagonista, apresentado como anti-herói: um homem que machuca corações e continua machucado, acaba não sendo o destaque da narrativa, mas sim as mulheres que vão passando por sua vida e se tornando protagonistas de suas próprias histórias.  Chamo a atenção para um termo criado pela própria Conceição: "Escrevivência": que significa a união entre a escrita e a vivência, representado por cada personagem com destaque para as negras. 

        Fio Jasmim é o “menino grande” da narrativa, um homem que desde a infância sofre com a rejeição e, por isso, esse trauma permeia toda a sua vida, não o deixando crescer como adulto e tornar-se uma pessoa madura e bem resolvida. É um homem de aparência forte, de presença marcante entre as mulheres; mas, por dentro, ainda sente o vazio e a inferioridade que sentira ao ser trocado por um príncipe branco em sua infância. Fio representa os homens que seguem o manual e a tradição da dominação masculina, mas não passam de pessoas frágeis e infantilizadas.

EVARISTO, Conceição. Canção para ninar menino grande. Rio de Janeiro: Pallas, 2022.


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