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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

BALADA DE AMOR AO VENTO (LISTA FUVEST)


 

        Caros leitores e vestibulandos, hoje é dia de estreia da nossa página de livros para vestibular da FUVEST. Começaremos pela obra “Balada de amor ao vento”, da moçambicana Paulina Chiziane. Primeiramente, gostaria de frisar a importância simbólica desse livro que é considerado um marco na literatura moçambicana. Afinal de contas, trata-se do primeiro romance escrito por uma mulher, publicado em 1990, sendo também o primeiro a expor as temáticas do universo feminino. Guarde essa informação!

        Mas, antes de falar sobre a obra, achei necessária uma pequena apresentação da autora, pois, acredito eu, seja uma célebre desconhecida de estudantes e leitores brasileiros, então vamos lá: Paulina nasceu numa família protestante e cresceu no subúrbio da cidade de Maputo, capital do país. Aprendeu o português em uma escola católica e começou seus estudos de linguística na universidade, mas não chegou a terminá-los. Entrou para a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), mas, com o tempo, deixou a política para que pudesse se dedicar de forma exclusiva à literatura. Assim, iniciou sua atividade literária em 1984. Desde então, suas obras têm gerado algumas polêmicas acerca de questões sociais até porque a escritora discute temas nunca discutidos antes em sua terra, além do mais por uma mulher. Em 2016, decidiu abandonar a escrita. Ao longo da carreira, recebeu homenagens e condecorações, das quais convém destacar o Prêmio Camões (2021), considerado reconhecimento máximo a um escritor de língua portuguesa, além de ser tema de um documentário e ainda figurar na lista das cem mulheres mais inspiradoras do mundo, elaborada pela BBC.

         Agora, sem mais delongas, vamos ao que interessa: o tradicional resumo da narrativa, como resposta à clássica pergunta do aluno “Qual é a história?”. A protagonista, Sarnau, agora adulta, começa falando de suas lembranças, direcionando o leitor à sua juventude. É nessa época de estudos que ela conhece Mwando. Acontece que os dois acabam se apaixonando perdidamente e assim permanecem por um bom tempo. O rapaz vive um grande conflito interno porque está estudando com o desejo de tornar-se padre, mas, ao mesmo tempo, encontra-se perdidamente apaixonado por ela. Por fim, seu romance acaba por ser descoberto e ele acaba expulso do seminário. Ela, ainda muito apaixonada, descobre que está grávida e, para sua decepção (e esta é apenas a primeira de muitas), é abandonada por ele, que tem um casamento arranjado com uma moça, escolhida por seus pais por ser rica e de família católica.   

        Sarnau dá início a um penoso caminho, sozinha. Totalmente arrasada, resolve cometer suicídio para dar fim ao seu sofrimento, mas é salva. Como alternativa, procura um “griot” (espécie de curandeiro local) para abortar a criança da qual não conseguirá cuidar nas atuais condições. De repente, a vida lhe dá uma nova oportunidade: casar-se com Nguila, aquele que está destinado a ser futuro rei de sua terra. O casamento é realizado, Sarnau desfruta de uma vida de luxo e de estabilidade, o sonho de tantas mulheres de sua terra, porém, para a surpresa de muitos, não se sente nada feliz. Primeiro pela constante pressão para dar à luz um filho homem, pois só havia parido gêmeas, lembrando que estamos falando de uma sociedade patriarcal, na qual só o homem tem valor, ainda amarga uma convivência difícil com as outras esposas (seu marido, como tantos outros, é adepto da poligamia), que disputam a atenção principal do marido, em especial Phati. Como se não bastasse tanto desgosto, ainda sofre com a violência doméstica. 

           É em meio a esse mar de frustrações que, de repente, reencontra o antigo amor, Mwando, que resolve explicar sua saga: foi abandonado pela esposa logo após a morte de seu filho único. Logo após essa perda, ela o trocou por outro.  Diante de seu confesso arrependimento, Sarnau se vê dividida entre manter seu casamento (vida sofrida e estável) ou fugir com o grande amor de sua vida (que já a havia abandonado uma vez). Tudo isso ocorre justo agora que um curandeiro tinha feito com que o marido voltasse a procurar por ela, pois a disputa entre as esposas segue firme. Ela volta a se relacionar clandestinamente com o antigo amor e, para variar, volta a ficar grávida dele. Ele insiste para que fiquem juntos. Uma de suas adversárias, Phati, acaba denunciando-a por adultério. 

            Sarnau decide fugir com Mwando deixando tudo e todos para trás por causa dele, inclusive as filhas. Mais tarde, adivinha o que acontece? Com o argumento de temer alguma espécie de vingança do rei, ele a abandona (mais uma vez e grávida), o que talvez não cause ao leitor surpresa alguma. Novamente sozinha e desamaparada (já virou um hábito) é obrigada a se prostituir para devolver a quantia do “lobolo” (espécie de dote que a noiva recebe do noivo como compensação ao casar-se e que deve ser restituído em caso de separação) de Nguila. Sua filha Chivite passa mal e, de acordo com os curandeiros, só se curaria quando recebesse o nome do espírito causador de seu mal, por isso é renomeada Phati. O tempo vai passando e, tempos depois, como fosse uma maldição ou um “flashback”, quem ela reencontra? Ele mesmo: Mwando, que, para o espanto de todos, agora se diz novamente arrependido e conta mais um episódio de sua história, agora dos anos que passou nos campos de trabalho forçado em Angola. 

                Cansada de suas promessas, ela diz que desta vez ele terá que pagar o lobolo para poder ficar com ela, ao passo que ele a recrimina por se prostituir, recebendo a resposta de que foi apenas a consequência da situação em que mais uma vez ele a deixou. Dividida novamente entre a razão e a emoção, pressionada por seus sentimentos antigos e pela filha que necessita de um pai, ela acaba o aceitando de volta e assim termina a história.

     A respeito dos elementos narrativos, temos um foco narrativo em primeira pessoa, tudo é contado do ponto de vista de Sarnau, compartilhando com o leitor cada experiência. Ela não observa somente, mas sua narrativa vai sendo formada por sua vivência. É a voz que põe fim à mordaça patriarcal, permitindo que se possam conhecer seus pensamentos e sentimentos. Há apenas uma mudança de foco para a terceira pessoa nos capítulos que descrevem a relação de Mwando com sua esposa Sumbi. 

        O espaço limita-se a Moçambique, com destaque para alguns locais importantes para a protagonista, que nos mostram o contexto social do país na época e que buscam apresentar a cultura moçambicana, a vida nas aldeias e nas cidades, o choque entre a tradição africana e a sociedade colonial. O tempo, no contexto histórico da obra, situa-se no período colonial português; quanto à narrativa, é contado a partir do ponto de vista dela, já idosa, que relembra seu passado, portanto, não se trata de uma narrativa linear, de modo que as situações se repetem.  

    Entre as temáticas presentes, destacam-se o dilema entre os desejos individuais e o futuro imposto pela tradição e pela cultura; a denúncia da opressão e da exploração das mulheres na sociedade moçambicana; as dificuldades que elas enfrentam na luta por respeito e liberdade; a tensão entre a cultura cristã e as tradições africanas, exposta nas crenças e nos costumes; a estrutura social dominada pelo patriarcalismo e pela poligamia. 

    Destaque para a linguagem presente no livro que, de forma poética, contribui com leveza para um enredo marcado pela densidade conferindo leveza poética a um enredo denso e complexo, representada por diversas figuras de linguagem, como a palavra “vento”, que faz parte do título, representando a liberdade e a mudança constante de curso. Há também de se observar a presença da oralidade africana, trazendo elementos simbólicos e míticos. A descrição lírica da natureza é constante, simbolizando prazeres e frustrações, criando um contraste com a realidade cruel de um país devastado pela guerra e por inúmeros conflitos.

    Espero ter ajudado o caro vestibulando com esse texto. Conto com você novamente por aqui. Até a próxima!


 


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