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sexta-feira, 3 de outubro de 2025

UM DISSECADOR DA CONDIÇÃO HUMANA


 Hoje, o blog Cosmo Literário tem a honra e a felicidade de receber o escritor ribeirão-pretano Perce Polegato. Segue aqui um pouco sobre ele:

 

Perce Polegatto é um escritor nascido em Ribeirão Preto, formado em Letras, com especialização em Estudos Literários. Lecionou matérias da área de Letras, como Gramática, Literatura, Adaptações literárias para o cinema, Produção de textos e Semiótica em diversas escolas, principalmente no Ensino Médio, e em três instituições universitárias.

É autor de cinco romances (“Os últimos dias de agosto”, “A seta de Verena”, “Marcas de gentis predadores”, “Projeto esvanecendo-se” e “Teus olhos na escuridão”), quatro volumes de contos (“A canção de pedra”, “A conspiração dos felizes”, “Lisette Maris em seu endereço de inverno” e “Inconsistência dos retratos”) e um de poesia (“Diário contra o destino”). A metalinguagem, a busca da identidade humana e o questionamento existencial são algumas das principais marcas de seus textos, divulgados também no site “Aventura do dia comum” (www.percepolegatto.com.br).

 

Seja bem-vindo, Perce Polegatto, ao nosso quadro de entrevistas do blog Cosmo Literário.

Muito obrigado pela recepção. Sou eu que agradeço.

Perce, você é graduado em letras, com especialização em Literatura. Explorando as relações entre o leitor, o escritor e o professor: como isso se deu? Quem veio primeiro?

Primeiro o leitor. Desde menino, desde que aprendi a ler, queria ansiosamente entender o que eram todos aqueles sinais que eram as palavras, geralmente complementando ilustrações de livros infantis. Depois, a fase das HQs. Depois, só queria livros: policiais, espionagem, aventuras. Quando fui para a faculdade, eu trabalhava em banco, durante o dia, e assim sustentava meus estudos. Era jovem, pensava em fazer carreira no banco e comecei mesmo: aos 22 anos, eu já tinha sido promovido duas vezes. E fui para o curso superior, como diziam, mais para “ter um diploma”. Depois de formado, passei a lecionar à noite em cursos supletivos e aproveitando as escassas oportunidades que apareciam. Foi assim que tomei gosto pela profissão de professor. À parte isso, a leitura era (e ainda é) um vício, independente de qualquer profissão ou carreira que eu seguisse. O escritor tomou forma aos 19 anos, quando decidi reescrever um diário íntimo que eu fazia e torná-lo um romance, distribuindo alguns de meus pensamentos e visões de mundo entre personagens. Foi assim que surgiu “Os últimos dias de agosto”. Comecei a escrevê-lo aos 19 e o terminei aos 27, após oito anos de lapidação. Foi o maior tempo que dispendi na concepção de um romance.

Segundo sua biografia, você começou como poeta, mas assim que escreveu seu primeiro romance “Os últimos dias de agosto”, resolveu dedicar-se inteiramente à literatura em prosa. O que te fez tomar esse caminho sem volta?

Sim, eu tinha uma quantidade de poemas, escritos entre o final da adolescência e os tempos de faculdade. Fiz uma triagem e publiquei meu único volume de poesia, que é o “Diário contra o destino”. Era uma fase em que eu só pensava em poesia, mesmo como leitor. Queria ler toda a poesia possível, de nossos mestres brasileiros e de estrangeiros, de Castro Alves ao enigmático Paul Celan. O que aconteceu foi que minhas ideias não eram mais “poéticas”, eu já as imaginava na voz de algum personagem, imaginava as situações e as sequências, enfim, narrativas em prosa. Como leitor, continuei lendo poesia e admirando a criatividade dos pós-modernos, poetas e poetisas que eu ia conhecendo ao longo do tempo.

Como leitor voraz e professor de literatura você deve ter sofrido alguma influência de algum escritor durante todo esse trajeto. Quais são suas referências?

São muitas, mas volto ao tradicional Machado de Assis, que me impressionou com “Memórias póstumas de Brás Cubas”, uma verdadeira revolução em muitos sentidos, o que me fez pensar que eu não deveria escrever nada convencional, mas sempre orientado por essa ousadia criativa, algo que surpreendesse o leitor e evitasse a mesmice, o tédio de textos previsíveis. Sempre admirei os regionalistas, mas, talvez por sempre ter sido urbano, não me identificava com eles. Um grande destaque para Dostoievski e Tchekhov, que também me impressionaram muito quando os conheci.

Em suas falas você tem sido categórico em se colocar como um escritor de literatura exclusivamente feita para o público adulto. O que o fez enveredar de forma exclusiva por esse público?

Meu primeiro romance, que citei anteriormente, era sobre um jovem de 25 anos em crise existencial. Tudo isso era de adulto para adulto, inclusive propondo sérios incômodos filosóficos, com a questão do suicídio e a dificuldade em desenvolver um amor. Os livros infantis e infanto-juvenis têm uma proposta positiva, politicamente correta, no sentido de romper preconceitos, exercer a cidadania, mostrar às crianças e a adolescentes caminhos para a vida, e o que eu queria, como leitor e como escritor, era justamente a subversão, a denúncia do que havia de mais desafiador na condição humana, o que inclui injustiças, sofrimentos, sem a obrigação de um final bem compreendido, feliz ou edificante. Os finais inquietantes são os que mais me atraem.

Você foi autor homenageado na Feira Internacional do Livro em Ribeirão Preto no ano de 2024. Gostaria que nos dissesse como se sentiu na época e como vê esse reconhecimento como escritor.

Foi uma surpresa e tanto quando recebi o convite. Nem de longe imaginava que meu nome estivesse entre os autores cotados para essa homenagem. Cheguei mesmo a perguntar, educadamente, como foi que me “acharam”. Foi gratificante ver que minha obra passava a merecer alguma atenção, algum destaque. Também me senti privilegiado ao conhecer mais de outros autores homenageados, como João Augusto e Matheus Arcaro, o homenageado deste ano, que são muito talentosos, e isso me fez sentir realmente honrado.

Nessa trajetória literária, são cinco romances, quatro livros de contos e um livro de poesias. Como é o seu processo criativo para escrever isso tudo?

Eu não faço projetos, não me dou prazos, tenho a chance de exercer essa atividade com toda liberdade. Só começo alguma coisa quando tenho uma ideia que acho válida, própria a um texto literário. É preciso ter cuidado com essa triagem, pois muitas ideias, pretensamente boas, ficariam bem em um filme, não em uma narrativa literária. Quando fiz 40 anos (apenas coincidência o ano exato), parei de escrever, por falta de boas ideias. Ao longo de uma década, escrevi apenas três contos. Então, perto dos 50, me ocorreu a ideia central de “Marcas de gentis predadores”, sobre um suposto crime, que envolve, de maneira mais ampla, o universo masculino, os homens de todas as partes do mundo e em todas as épocas, que eu chamei de “gentis predadores”. Levei cinco anos para terminá-lo, mas estava completamente envolvido, talvez por ter encontrado um tema muito próximo, os grupos a que pertencemos desde meninos, os homens em todas as suas variações e a distância que nos separa das mulheres, algo que só percebemos mais claramente depois de adultos.

A maioria dos escritores, senão todos eles, costuma ter seus temas preferidos. Você tem algum? Quais seus critérios de escolha?

Meu tema é genérico: a condição humana. Eu escrevo sobre o que nos faz viver e sobre o que nos faz morrer. Sobre as coisas que pensamos conquistar e depois perdemos para sempre. Em meio a tudo, somos personagens de uma existência estranha, quase indecifrável, moldada entre música e poesia, tragédias e guerras.

Você se envolveu recentemente com um novo projeto chamado “Um estreito, fino rastro de sangue”. Pode nos contar como foi essa experiência?

Esse romance é uma versão adaptada de “Marcas de gentis predadores”. Eu excluí os flashbacks que mostravam a juventude do personagem e me concentrei na trama central, que é a mesma. É um de meus livros mais vendidos, e acho que acertei em conceber essa nova versão, mais acessível aos leitores que só se interessam pelo quebra-cabeça que é a própria trama. Recentemente, Antônio Alexandre, da D Mais Rádio Web, propôs a gravação do romance, como um audiolivro, e eu aceitei. Ele está sendo divulgado em episódios nessa rádio, como um folhetim, todas as terças-feiras, às 21h. O programa se chama “Da impressão à audição” e abre com uma vinheta meio sinistra, meio impactante, tudo ideia dele.

Olhando para trás e para tudo que fez até hoje, você se dá por satisfeito e realizado? você acha que ainda falta fazer algo no campo da literatura?

Sim, completamente. Fico revendo minha evolução desde meus primeiros contos ingênuos e com linguagem muito simples até um romance como “Projeto esvanecendo-se”, que considero um de meus melhores trabalhos e que utiliza todas as técnicas literárias que absorvi ao longo da vida, toda a estética, toda a autocrítica que faz dele um texto amadurecido, criativo e, como sempre, subversivo. Acho que não me falta nada como escritor, fiz tudo o que quis fazer, até onde quis, e, como não pretendo escrever nada em outro gênero, como teatro ou livros infantis, continuo apegado a ideias que eu possa desenvolver em romances ou contos. No fundo, acho que não vou escrever nada melhor do que o que já fiz antes, e isso inclui “A conspiração dos felizes” e “Inconsistência dos retratos”. Dificilmente (talvez nunca) vou escrever algo mais intenso e impactante que algumas dessas obras.

Como escritor e como um estudioso graduado, como você vê a relação entre literatura e internet hoje?

A internet é uma grande ferramenta de divulgação, isso ajuda muito a quem escreve. Alguns começam por publicar em blogs e sites, como se fazia no século XIX nos jornais, com o chamado folhetim, antes de concretizarem seus textos em formato definitivo, encaminhando-os à forma de livro. E ainda pode ser um livro digital, de baixo custo, acessível a todos. Da mesma forma como a internet teve um importante papel na divulgação da música erudita, ela ampliou as possibilidades para leitores e autores.

Perce, foi um grande prazer ter você aqui conosco. Agradecemos o seu tempo e sua disponibilidade para esse bate-papo.

Obrigado pelo convite e pela oportunidade. Falar em livros, leitura e literatura é algo que me envolve naturalmente, prazerosamente. Muito obrigado e um grande abraço.

 

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