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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

COMBATE O MAL COM O BEM

Crédito: Ron Lach (PEXELS)

Há quem diga que na vida

Só se pode ir muito além

Ficando acima dos outros

E não poupando ninguém

Mas não se deixe levar

Combate o mal com o bem.

 

Se no mundo da aparência

Só se conta o que se tem

Se o fim justifica os meios

E ambição não se detém

Não se deixe corromper

Combate o mal com o bem.

 

Num mundo que não há regras

Nenhum princípio contém

Você faz o que quiser

Mas nem tudo lhe convém

Não venda seus ideais

Combate o mal com o bem.

 

Se o irmão bem ao seu lado

Do perdão se abstém

Que sua brutalidade

De outros brutos advém

Não use a mesma moeda

Combate o mal com o bem.

 

Se a lei do olho por olho

Falsa justiça entretém

E todo aquele que fere

Ferido será também

Não é mais do que vingança

Combate o mal com o bem.

 

Para quem acha que os brutos

Só com força se mantêm

E que a guerra traz a paz

Não vê que existe um porém

Ódio gera apenas ódio

Combate o mal com o bem.

 

Se é mais fácil revidar

Agredindo sempre alguém

Achando que a tal bondade

A vitória não obtém

Põe a mão na consciência

Combate o mal com o bem.

 

Se quando falar de paz

Perceber algum desdém

Ou até um comentário:

“Não vale nem um vintém”

Por saber qual seu valor

Combate o mal com o bem.

 

Num mundo cheio de ódio

Só o amor intervém

Perante a lei do mais forte

Jamais responda amém

Segue um novo mandamento

Combate o mal com o bem.

 

Por maior que seja o mal

O seu fim um dia vem

Não deixe de acreditar

Pra não se tornar refém

Ser bom requer ter coragem

Combate o mal com o bem.

 

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

COLHEITA

Crédito: Tetyana Kovyrina (PEXELS)

 

Enxuga as lágrimas, criança!

Se choras a perda do sol

Teus olhos ficarão embaçados

E acabarás perdendo o espetáculo

De rara beleza proporcionado pelas estrelas.

 

Vamos, ergue a cabeça!

Se continuares cabisbaixo

A lamentar a perda de um amor

Não poderás ver os muitos que passam

E perderás a chance de finalmente ser feliz.

 

Não fica a reclamar do clima!

Aproveita a chuva que cai copiosamente

E planeja belos passeios

Pois o sol em breve voltará radiante

E terás muito do que desfrutar.

 

Deixa os remorsos de lado!

Remoer o passado não faz mudá-lo

O presente é sempre o melhor momento

E o momento é de plantar sorrisos,

Irrigar sonhos e colher felicidade.


terça-feira, 28 de outubro de 2025

QUANDO O HOMEM DESISTE DE SI PRÓPRIO

Crédito: Freies Deutscher Hochstift

“É verdade que o caminho seria mais curto e mais cômodo se não fosse a montanha; mas a montanha existe e é preciso seguir viagem”.

                Sejam bem-vindos, caro leitor e cara leitora, a mais um capítulo de nossa jornada rumo às profundezas do próprio homem. Hoje nosso deslocamento será mais rápido, pois cobriremos uma pequena distância, deixando a Suíça, com o enredo de horror que presenciamos, e nos dirigindo à Alemanha. Vamos ajustar nosso relógio para um passado mais longínquo, para ser mais preciso, no ano de 1774. Hoje, diferentemente das outras vezes, não teremos trilha sonora. Seguiremos ao som ensurdecedor do silêncio e, ao final deste texto, o leitor poderá entender minhas escolhas de hoje.

                Ao fim de nossa pequena viagem, encontramos nosso herói, o jovem Werther, rapaz de origem burguesa, o qual segue em direção ao ambiente campestre. Posso adiantar aqui que ele busca a tranquilidade dos campos (locus amoenus), aliás, a ideia de que a natureza é o refúgio em que o homem encontra o verdadeiro equilíbrio, livrando-se das ilusões da cidade, já vinha sendo colocada neste século por meio do Arcadismo, que aconselhava a fuga da cidade (fugere urbem) para que o homem pudesse se encontrar, pregando o bucolismo, ideal de vida que pode ser representado de forma perfeita na música “Casa no campo”, interpretada na belíssima voz de Elis Regina, composta despretensiosamente por Zé Rodrix em uma viagem entre Brasília e Goiânia.

                Então o caro leitor deverá se perguntar: “O que esse rapaz procura?” Respondo: Werther tenta fugir de duas agitações: a sociedade burguesa da qual faz parte e o turbilhão de sentimentos que se apossam de seu interior como uma intensa tempestade que varre suas certezas de um lado para o outro. O protagonista é um retrato fiel da juventude de sua época, espalhada por todas as nações da Europa. Ele não nutre nenhum sentimento de pertencimento ao mundo em que se encontra, provando de um profundo desapontamento em relação aos seus anseios como indivíduo. Werther parece não se encaixar em lugar nenhum, um verdadeiro desajustado, um estranho.

                No primeiro momento, parece a fuga uma ótima forma então de o personagem tentar repensar sua vida e colocar seu mundo nos eixos, imerso na harmonia da mãe natureza. Porém, nesse cenário idílico, ele acaba conhecendo Lotte, uma bela moça que, a princípio, faz com que o jovem se esqueça um pouco da turbulência do mundo à sua volta. Com o passar do romance, vamos notando uma cumplicidade cada vez maior de olhares e gestos entre os dois. Cada vez mais eles notam suas afinidades, tanto que seus diálogos costumam ser curtos e breves pois eles se comunicam pela linguagem da literatura, por meio das personagens e livros que leram e conhecem.

                Se o caro leitor tem alguma noção sobre o Romantismo (custou para chegar a ele, embora eu o tenha citado com frequência) cuja obra aqui descrita é considerada seu marco oficial e grande representante, já sabe que no bojo de sua fórmula previsível consta um par romântico e um obstáculo ao seu amor como causa do conflito. Também por isso chamamos o protagonista de herói, pois o mesmo terá que lutar contra o mundo, movendo céus e terras para que seu amor atinja a plena realização (estratagema ainda usado sem parcimônia nas telenovelas, seriados filmes, livros e até propagandas). Com esse simpático casal não seria diferente: ela está noiva, prometida em casamento a Albert, que agora adentra ao romance, voltando de viagem a fim de desposar a bela Lotte.

                  Não preciso nem explicar ao caro leitor o quanto essa fatídica notícia abala o mundo – já em ruínas – do protagonista, que parte para outra cidade, arranjando uma nova ocupação para assim, quem sabe, distrair o coração ferido por tantas frustrações. Cabe aqui lembrar que os autores românticos não costumavam ser ponderados, portanto, seus desfechos sempre pendiam para um dos dois extremos: o final feliz ou o final trágico – traço de sua personalidade extremista. Como o leitor também espera, não importa o que Werther faça, ele não a esquecerá, de forma alguma. Ela irá se casar com Albert e eles terão um último encontro.

                Confesso ao amigo leitor, que tem me acompanhado até aqui, que esta foi a minha mais difícil escolha entre as obras que aqui citei desde nosso primeiro encontro, esperando que em breve me faça entender. Porque, diante da situação, quebrarei uma das minhas regras pessoais ao falar sobre um livro: contarei o seu final. Tomado pela pressão dos sentimentos que o invadem e pela dor do amor não realizado, cabe lembrar que essa é mais uma rejeição que ele sofre (a pior de todas elas), nosso herói opta, no ápice do desespero, por tirar a própria vida, recebendo o título de “primeiro suicida” da literatura. Dizem por aí que essa trama é resultante de uma experiência real de amor não correspondido pela qual passou seu autor Goethe, que encontrou, como uma forma de escape ao sofrimento, matar a própria personagem, para que pudesse seguir sua vida em frente novamente.

                Tenho assumido, desde o começo, o compromisso de mostrar o quanto a literatura tem em comum com a realidade. Eis o que farei mais uma vez. Acredito, caro leitor, que Goethe jamais tenha imaginado que captaria com tanta maestria o que os alemães chamam de “Zeitgeist”, que seria para nós o espírito de uma época. Ao ser publicado e comercializado, o livro começou a influenciar toda uma geração que, ao ler tal obra, acabava por se identificar com ela, tomando o mesmo final do protagonista. Houve relatos de uma onda de suicídios por diversos cantos da Europa em que as vítimas eram encontradas ou vestidas como a personagem ou abraçadas ao livro, resultando em sua proibição.

                Cheguei agora à encruzilhada que já previa inevitável: ah, caro leitor, Werther abriu mão de seu bem mais precioso: a vida. Não suportou a pressão da sociedade que não o via como ele desejava nem suportou ao ataque de seus próprios demônios. Com esse final trágico, Goethe apresenta o conceito romântico de escapismo, a fuga da realidade. Ao considerar a morte como uma liberdade da vida que não se suporta, ele lança ao mundo um de seus maiores tabus. Proibir que se lesse o livro foi uma solução dada ao problema, muito parecida com o que temos ainda hoje: ao não se falar da questão, ela não será lembrada e, não sendo lembrada, não virá à tona. Confesso que às vezes acho que os adultos escolhem formas muito estranhas de resolver seus dilemas.

                A psicologia usa o termo “efeito Werther” para explicar quando a divulgação de um suicídio funciona como um gatilho, gerando uma visão romantizada do mesmo como uma bela solução, induzindo à sua prática. Essa explicação é bem minha, livre de grandes estudos e termos técnicos. Nosso herói não partilhou sua dor com ninguém, falando da mesma somente na carta que deixou para Lotte após sua morte. Gostaria de lembrar da campanha do ”Setembro Amarelo” sobre a valorização da vida e a prevenção ao suicídio. Inúmeras pessoas de diversas idades dão fim à própria vida, entre elas, crianças e jovens. Essa campanha prega um maior diálogo sobre o tema como forma de prevenção, mas também me deixa a pergunta: Por que se preocupar com um tema tão importante somente um mês por ano? Segundo os estudos, noventa por cento dos casos de suicídio poderiam ser evitados mas, se as pessoas se recusam a falar disso, como resolver?

                É preciso desmitificar o assunto (tantos ainda acham isso frescura, meio de chamar a atenção, fraqueza, modinha – sem falar na questão de pecado), buscar ajuda e orientação profissional (ninguém melhor que o psicólogo) e também uma conversa com um bom amigo. Faz-se necessário uma luta maior pela vida, bem supremo, precioso, intransferível. Se o caro leitor não crê em Deus, não tem problema nenhum, desde que acredite nessa energia pulsante e mágica que corre em suas veias e faz de você uma pessoa única no mundo.

                Que cada um de nós possa trazer consigo: a loucura sonhadora de Dom Quixote de fazer dessa existência algo bem melhor, a gana de Ulisses de enfrentar os deuses para voltar para casa e para os seus, a fé de Dante ao percorrer os anéis infernais na certeza de que algo de bom o espera do outro lado. Retomo a frase do romance que abre o nosso texto, encerrando nossa viagem de hoje com a bela canção do saudoso Gonzaguinha que poderia receber o título de “Hino á vida”: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz / Cantar, / A beleza de ser um eterno aprendiz / Eu sei / Que a vida devia ser bem melhor e será, / Mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita!” Até a próxima viagem.   

 GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. Florianópolis: Penguim, 2021. 

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

ACREDITE NA BONDADE

Crédito: Gabriel Frank (Pexels)

Mesmo que as trevas da noite

Te empurrem pra escuridão

Dizendo não ter mais luz

Muito menos salvação

Acredite na bondade

Que há no seu coração.

 

Mesmo que a tal violência

Promovendo a lei do cão

Tente dizer que a justiça

Só existe com punição

Acredite na bondade

Que há no seu coração.

 

Mesmo que o terror e o ódio

Provoquem tanta aflição

Causando medo e pavor

Em meio à população

Acredite na bondade

Que há no seu coração.

 

Mesmo que a desesperança

Conduza à sofreguidão

Parecendo que o mundo

Não passa só de ambição

Acredite na bondade

Que há no seu coração.

 

Jamais desista do amor

Tenha o dom da compaixão

Lembre sempre que a empatia

É a melhor solução

Acredite na bondade

Que há no seu coração. 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

NA PLATEIA

Crédito: Wikimedia Commons
 

É toda manhã o mesmo despertar

Na mesa o mesmo café da manhã

Não mudaram as frívolas conversas familiares

Os jornais exibem as banalidades de costume.

 

Enfadado dessa vida medíocre, saio às ruas

Pessoas atarantadas correm atrás das mesmas ilusões

Jovens em torno de repetitivas alienações.

 

Convenço-me de que estou em um mundo doente

Assolado por uma epidemia conhecida por rotina

Estamos programados para fazer o básico.

 

Desde os primeiros anos escolares recebemos um rótulo homogêneo

A nos acompanhar por toda a nossa vida,

Esse palco onde a monotonia se apresenta

Envolvendo-nos, fiel plateia,

Conformados a apenas assistir ao espetáculo

Até que as cortinas se fechem, as luzes se apaguem.

 

Batemos palmas, voltamos para o aconchego de nossos lares

E dormimos o sono dos justos.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

A ATITUDE INCONSEQUENTE DO HOMEM QUE BRINCA DE DEUS

 

Crédito: PICRYL


      "Quão perigosa é a aquisição do conhecimento e quão mais feliz é o homem que crê que sua vila natal é o mundo, do que aquele que aspira tornar-se maior do que sua natureza permite."           

    Bem-vindos, caro leitor e cara leitora, fiéis companheiros de viagem, a esse fantástico universo chamado Literatura. Seguimos nosso itinerário pelas páginas dos livros que nos conduzem, pouco a pouco, em direção às entranhas do homem. Terminamos nossa viagem passada em um navio, numa luta desigual contra a força da natureza e, novamente, por outro navio, começamos mais uma vez, só que agora nas geladas águas do Ártico. Caso o leitor me pergunte o que estamos fazendo aqui, eu respondo: viemos encontrar o fim da história que nos levará ao seu início. É isso mesmo? Sim, meu amigo. A literatura tem dessas coisas. Agora vamos acionar a nossa eclética “playlist”: sigamos então ao som da cantata “Carmina Burana”, de Carl Orff, a começar pela faixa “Ó Fortuna”, totalmente apropriada ao drama que se abaterá sobre nós a partir de agora.

                Nessa parte solitária do mundo, o capitão Robert Walton recolhe a bordo um homem cujo semblante mostra-se marcado pelo tormento, que se diz chamar Viktor Frankenstein. Sim, caro leitor, você já ouviu esse nome alguma vez e, provavelmente, sabe de quem estou falando. Portanto, já imagina que hoje mergulharemos nos porões obscuros da ambição e do desejo de glória, comuns a algumas mentes obcecadas. Neste momento, doutor Frankenstein vai começar uma narrativa que nos levará ao clima mais ameno da bela Suíça, mais propriamente à cidade de Genebra, nos idos de 1818.

                Antes, convém lembrar ao leitor que esse livro surgiu de um sonho (cá entre nós: está mais para um pesadelo) da jovem Mary Shelley, aos dezenove anos, após uma aposta feita com ninguém menos que o famoso poeta Lord Byron sobre escrever uma história de terror durante o verão chuvoso e de tempestades tenebrosas. Já sabemos que os românticos (ah! sempre eles) aceitavam como inspiração as noites sombrias e de ambiente tétrico como inspiração (chamados “locus horrendus”), nascendo destas a prosa gótica que revelou talentos natos como Edgar Allan Poe e o nosso Álvares de Azevedo. Acredite se quiser! Mary jamais imaginou que estaria criando a primeira obra de ficção científica da história e que, anos mais tarde, tenha inspirado, nada mais nada menos, que o mestre do terror: Stephen King, entre tantos outros.

                Porém, não nos deixemos perder, dileto companheiro, do rumo que tracei para nós neste domingo. Viktor, um jovem aristocrata, fascinado pelos estudos e experiências dos mestres alquimistas, inicia o curso de ciências naturais na universidade. Desde o princípio, demonstra interesse por procedimentos e experimentos os quais são abomináveis a todos os mestres e alunos à sua volta. Com base nos estudos do anatomista italiano Luigi Galvani e do médico suíço Paracelso, Viktor cogita criar vida artificial por meio da eletricidade. Ele sabe o que significa tal ideia perante a sociedade, por isso, ocultamente, rouba partes de cadáveres para montar um “ser humano” que terá sua vida concebida por meio de uma descarga elétrica sem precedentes.

                Não preciso nem dizer que tal experimento (transformado em obstinação) consumiu sua vida familiar, social e até mesmo sua saúde. Trancado em uma propriedade isolada, em perfeitas condições para seus propósitos, ele passa dois longos anos entregue ao seu único objetivo: criar a vida por suas mãos. Seu esforço hercúleo traz resultados, após certos insucessos, acontecimento comum quando se fala em ciência, pois certas conquistas jamais deixam transparecer aos leigos o verdadeiro custo de seu sucesso. Enfim, sua criatura ganha vida, mas o resultado da experiência não é como fora idealizada. É neste momento, caro leitor, que o cientista louco cai em si e nos remetemos à fala que abre nosso artigo de hoje. Doutor Frankenstein ultrapassou todos os limites de sua natureza e, tardiamente, toma consciência de que não deveria ter feito tal experiência.

A criatura acaba por fugir do laboratório. Seu criador mantém seu pecado em sigilo mortal. Ela enfrenta a vida por aí. Possui alguma inteligência: aprende a linguagem, adquire muitas noções de cultura, contudo sente-se órfã, como aquela criança concebida que a mãe abandonou em um canto qualquer, desamparada e desprotegida. Capaz de aprender tudo, inclusive a sensibilidade e a gentileza, entre outros atributos; chegando até a salvar a vida de uma criança. Infelizmente, isso tudo de nada adianta para alguém com uma aparência como a dela. Jogada em uma sociedade que adora ver os rótulos e as embalagens; ela, resultado do retalho de diversos corpos, toda costurada, recebe o cruel estereótipo de monstro.

Percebendo que é única no mundo e que só poderá ser verdadeiramente feliz se houver alguém de sua espécie (outro como ela), retorna ao seu criador, até então aliviado por se ver livre da criação pela qual tanto ansiou. Frankenstein ainda traz consigo o remorso, a culpa e o segredo como tortura, pensando consigo: “Haveria alguém além de mim, o criador, capaz de acreditar, a menos que convencido pelos sentidos, na existência do monumento vivo à presunção e à ignorância imprudente que lancei ao mundo”? Eis o susto que recebe ao ver sua criatura de volta, fazendo-lhe um pedido em forma de exigência: a criação de uma parceira para ele, para depois poder sumir da vista de todos, até de seu “pai”. Entretanto, caso ele se recuse, sofrerá tormentos insuportáveis.

O doutor acaba concordando, tendo até um momento de compaixão pelo destino cruel da pobre criatura, destino esse pelo qual se sente culpado. É como se estivesse pagando uma alta dívida para com ela. No entanto, mais tarde, após ter começado a criação da futura companheira, fica pensando nas consequências que traria para o mundo, caso eles viessem a gerar descendentes e, por fim, desiste do intento, quebrando sua promessa. Sua criação o faz pagar caro por isso, assassinando as três pessoas mais queridas para ele: o irmão, a noiva e o amigo; assumindo a vingança como a compensação pela falta de afeto e proteção. A partir daí, começa uma perseguição durante a qual ambos alternam-se no papel de caça e caçador.

Vemos em Viktor a mesma obstinação sem medidas que vemos no capitão Ahab: em desconhecer os próprios limites humanos, desafiando as leis da natureza. Na verdade, caro leitor, o que vemos aqui é um pensamento comum presente na Revolução Industrial, em seu primeiro estágio: a tecnologia e a ciência exerceriam, enfim, o poder sobre a natureza. Vemos uma ciência que acaba por tomar o lugar de Deus no coração do homem, mas que, naturalmente, acaba por falhar. Cabe lembrar que o subtítulo da obra é “Prometeu moderno”, referindo-se ao mito grego em que Prometeu rouba o fogo dos deuses para dar aos homens como poder e depois é severamente castigado. Eis o que também se passa com Viktor.

Destaco aqui que o título da obra leva o nome do cientista e não da criatura que, de tanto despersonalizada, nem nome possui, o que leva ao nível da falta e afeto e identidade que emana de seu criador. Em muitas adaptações para filmes, desde um dos primeiros, como “Frankenstein” de 1931, do diretor James Whale, no estilo expressionista, até referências em alguns mais recentes como “Van Helsing” (2004), chocam-se as ideias de monstro e de vítima, lembrando que, aos olhos de Mary Shelley, o doutor era o verdadeiro monstro. Em um mundo cada vez mais avançado cientificamente, com temas como clonagem e outros, devemos nos lembrar que até mesmo a ciência tem seus limites e, sem ética alguma, pode se equiparar a certos fanatismos religiosos.

Viktor quis ir além dos mistérios da criação, descobrindo tarde demais que para alguns caminhos não há volta, que todos nós podemos escolher o que vamos plantar, mas a colheita já está decidida. O filme “Edward mãos de tesoura”, feito em 1990 pelo original Tim Burton e o samba-enredo da Beija-Flor de 2018 (em homenagem aos duzentos anos do livro) “Monstro é aquele que não sabe amar”, entre tantas outras releituras dessa rica obra, querem nos mostrar que o olhar indiferente e excludente de nossa sociedade é uma enorme fábrica de monstros. Até a próxima!

SHELLEY, Mary. Frankenstein. Rio de Janeiro: Excelsior, 2019.     

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

RECADO A MEU FILHO

Crédito: Sharefaith (Pixels)

 

Curte a infância, filho querido,

E aproveita bem o tempo

Porque ele passa tão velozmente

Em breve será doce lembrança

A despertar alegres saudades

De uma época feliz.

E um adulto sem lembranças

É uma pessoa sem infância

Uma alma doente

A conviver com a frustração.

 

Por isso corre descalço pela relva

Ria das trapalhadas de seus amigos

Persegue a pipa solta no azul do céu

Rola no chão, encha-se de terra da cabeça aos pés

Cantarola alto suas canções preferidas

Conversa com os seus amigos imaginários

Inventa os seus próprios contos de fada

Põe a sua capa e mostra os superpoderes.

 

Até que uma noite, sem que se dê conta,

Dormirás criança e acordarás adulto

Então descobrirás que o tempo

É um sujeito cruel

Que sempre está de partida

E não volta

Nunca mais.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

JOÃO CORAGEM CONTRA O BANDO DO PAVIO CURTO (OUTUBRO 2025)

Crédito: Hadoock de Aninha

 

TEMA

Por muito tempo, os filmes de faroeste fizeram grande sucesso tendo, como pano de fundo, a ocupação do velho-oeste americano. Diversos filmes foram surgindo, tendo a figura do pistoleiro, a do matador e os memoráveis duelos à luz do dia em cidades empoeiradas no meio do nada, rendendo vários filmes de ação, regados a muitas chuvas de balas. Algumas associações já chegaram a ser feitas com as regiões Centro-Oeste e Nordeste do nosso país, no começo de suas povoações, chamadas, em seus lugares mais distantes e ermos, de “terra de ninguém”, onde a única lei a vigorar era a “lei do mais forte”, assim como naqueles filmes. Foi pensando nesse sertão distante e sem lei, na figura do matador de aluguel e dos grandes duelos que surgiu esse cordel, também inspirado no conto extraordinário de Guimarães Rosa intitulado “A hora e a vez de Augusto Matraga”, resultando em uma breve história que pudesse reunir violência e redenção.  

SINOPSE

João Coragem é um matador profissional. Não temendo ninguém, fez da morte o seu ofício, trabalhando para quem pagasse melhor. Indiferente e acostumado à violência, acaba sendo abandonado pela mulher que teme por sua vida e pela vida da filha, deixando-o sozinho. Seu nome e sua fama vão crescendo por toda a região, o que lhe garante que nunca fique desempregado, mas, por outro lado, passa a acumular inimigos. Certo dia, após uma missão malsucedida, resolve deixar de vez o nefasto ofício e procurar pela paz que jamais teve, mudando-se para uma pequena e pacata cidade onde ninguém o conhecia. Depois de algum tempo, quando João parece, enfim, ter encontrado a verdadeira vida, eis que um acontecimento repentino obriga João a fazer uma escolha definitiva que vai selar o seu destino. Não perca esse faroeste à brasileira.

 

Passou já se faz um tempo                                       

Essa tal famosa história.

Como tudo começou

Está vivo na memória,

Nem os anos apagaram

Essa real trajetória.

 

Vivia nas cercanias                                                       

Um famoso foragido,

Homem de muita frieza,

Coração endurecido.

Matava sem hesitar,

Sempre muito decidido.

 

Era como um mercenário:                                         

Servia a quem mais pagava.

Pra manter a profissão,

Ao matar nunca hesitava.

Ninguém se postava contra,

O povo atemorizava.

 

Ganhou cada vez mais fama    

De notável matador.

Era uma chama do mal,

Alimentada na dor.

A Dona Morte clamava

Por mais um adorador.

 

Portava a morte consigo,

Por isso sua presença,

Claro sinal de má sorte.

Agonia tão imensa,

Muito forte se tornava

Como uma mortal doença.

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

A OBSESSÃO QUE CEGA O HOMEM E O CONDUZ AO ABISMO DA AUTODESTRUIÇÃO

Crédito: Rockwell Kent: The Whale (PICRYL)

“A coragem mais útil e digna de confiança é a que nasce da justa avaliação do perigo que se enfrenta; um homem inteiramente desprovido de medo é um companheiro muito mais perigoso que um covarde”.

                  Caro leitor e cara leitora, sejam bem-vindos! Aqui nos encontramos, mais uma vez, para seguirmos viagem por este planeta de dimensões infinitas ao qual chamamos Literatura. Deixemos a imponência e o luxo do castelo de Elsinor, com seus incontáveis mortos (aquilo literalmente tratou-se de uma tragédia) na gélida Dinamarca e partamos para mais longe, rumo á costa leste dos Estados Unidos, mais precisamente para o porto de Nuntucket. Em mais um daqueles aleatórios saltos temporais, estamos no ano de 1851. Nossa “playlist” de hoje oferece duas opções para a comodidade de nossos viajantes: o tema do filme “1492: A conquista do paraíso”, lançado em 1992, de autoria do genial Vangelis ou, para os roqueiros de plantão, “Moby Dick”, trilha do segundo disco da banda Led Zeppelin, notória por seu solo de bateria.

                Vamos embarcar na companhia do narrador Ismael, nome de origem bíblica (primogênito de Abraão), nosso guia nessa pitoresca viagem. E quando digo embarcar, refiro-me literalmente à viagem de hoje, pois iremos singrar os mares a bordo do navio Pequod, um navio baleeiro. Ele mesmo nos confessa: “sempre que sinto na boca uma amargura crescente, sempre que há em minha alma um novembro úmido e chuvoso... então calculo que é tempo de fazer-me ao mar o mais depressa possível”.

                Você já deve ter entendido que se trata de uma caça às baleias. Exato, meu amigo. Essa é uma atividade muito comum e lucrativa para a época devido à extração dos ossos para a confecção de peças das mais variadas e da gordura que mantinha acesas as chamas das lamparinas. Tudo começa com a bênção do padre e um sermão sobre a leitura de um trecho do livro de Jonas, famosa passagem conhecida por Jonas e a baleia. Você deve ter pensado agora: “Quanta coincidência!” Ah, caro leitor, não banque o inocente. Na literatura não existem coincidências. Jamais. Tudo é pretexto para o texto. Cabe lembrar que a baleia é a simbologia do divino em diversas culturas. Mas, deixemos de digressões e, retomemos nosso rumo.

                Este livro de Herman Melville foi inspirado na saga do navio baleeiro Essex, que culminou com seu naufrágio em 1820, vitimado pelos ataques furiosos de uma baleia (olha a realidade chegando logo cedo). Tragédia muito bem adaptada para as telas no filme “No coração do mar” (2015) pelo diretor Ron Howard. Peço licença em nossa história para uma importante correção: não se trata de uma baleia, mas, sim, de um cachalote. Vai que um dos meus seletos leitores tem formação em biologia e me denuncia por uma gafe dessa natureza. É isso mesmo que você pensou: Moby Dick, chamada ou conhecida universalmente por baleia branca, eternizada (como o primeiro monstro marinho da literatura) dessa forma em desenhos de época como Pica-pau, Tom e Jerry e, até mesmo, um desenho só seu nas décadas de 60 pelos magos Hanna Barbera é, na realidade, um cachalote (Physeter macrocephalus), um magnífico espécime, obra-prima da criação, com seus aproximados vinte metros e quarenta e uma toneladas, recebendo o título de maior dos cetáceos dentados.

                Feitas as devidas correções, é chegada a hora de conhecermos o capitão do navio: Ahab. Um homem envolto em uma aura de mistério, cujo rosto traz as marcas da amargura e do sofrimento. Uma figura singular que carrega o orgulho ferido: na perna de pau com osso de baleia e, mais profundamente, um vazio na alma que busca irremediavelmente compensar nessa viagem, mal esse, para o qual, porém, o leitor descobrirá que não há cura. E se você, leitor desavisado, deduziu que se trata apenas de um livro em que os homens caçam as baleias e pronto. Ah, caro leitor, temos muito que conversar.

                Ahab traz no nome (mais um bíblico empregado aqui) sua origem no livro de Reis: foi o sétimo rei do Reino de Israel. Sua ambição, acompanhada por uma série de atrocidades e da adoração a ídolos, trouxe prosperidade material, contudo foi como erva daninha ao povo de Israel, desagradando a Javé. Com o passar do romance, sua tripulação vai descobrir suas verdadeiras intenções: não se trata de caçar as baleias, mas uma só baleia. O incauto capitão torna seus homens reféns de uma jornada que conduz à perdição. Enlouquecido pelo desejo de vingança contra a criatura que levou parte da sua perna e, com ela, todo o orgulho que possuía, ele delira (não é mais um sonho) com a retomada triunfal de sua superioridade contra a natureza.

                Acompanha-o nesta viagem o pragmático e experiente imediato Starbuck, um homem que vê com grandes – mas discretas ressalvas – o plano pessoal de seu superior, intervindo sempre da forma mais lúcida possível, entretanto jamais declinando de sua fidelidade ao capitão, como a relação entre Dom Quixote e Sancho Pança vista por nós anteriormente. O que diferencia o imediato de seu capitão é a prudência, como podemos observar em sua frase que abre o nosso texto, que lhe traz o equilíbrio, conceito inexistente em Ahab. Segundo Aristóteles “a virtude ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta”. É justamente o excesso que vai levar Ahab à ruina e, como um buraco negro, vai sugar todos e tudo à sua volta.

                Bem diz certo provérbio (cuja origem atribui-se à sabedoria japonesa) em uma de suas possíveis traduções: “Antes de sair em busca de vingança, cave duas covas”. A obsessão e o desejo de vingança incomensuráveis do capitão cegam-no permanentemente, fazendo-o trilhar um caminho, que bem já pode perceber o próprio leitor, não tem volta. Estão em jogo dois mundos: o externo, representado pela natureza que o homem ousadamente desafia do alto de sua soberba, um mundo belo, representado na superfície do mar (de forma metafórica), mas selvagem e rude em suas profundezas, que carrega mistérios ainda insondáveis aos olhos humanos e oferece o perigo a quem deseja subjugá-lo (a superfície clara oculta as sombras da profundidade); e o interno, representado pela falta de equilíbrio do homem, cuja ambição desmedida o conduz à perda de tudo, inclusive seu bem mais precioso: a vida.

                Ahab não mede esforços e sacrifícios para encontrar a baleia para poder provar (a si próprio ou a Deus) a superioridade humana, o poder do predador que se encontra no topo da cadeia, um predador cuja imprudência transformará em presa fácil. Entre tantas possibilidades interpretativas que esse clássico nos oferece (filosófica, religiosa, psicológica) e não são poucas, como leitor podemos observar a tragédia anunciada da luta pela vida em um mundo hostil como consequência fatal do individuo que se considera absoluto.

                Ahab busca sua glória sem considerar jamais os riscos. Como diz o poeta Fernando Pessoa em seu poema “Mar português”: “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor, Deus ao mar o perigo e o abismo deu / Mas nele é que espelhou o céu”. Há quem diga que a “baleia branca” é o próprio castigo divino, outros que representa a vingança e superioridade da natureza tão maltratada. Eu, caro leitor, em minha humilde interpretação, penso, como os realistas, numa relação de causa e efeito, na qual o homem sempre traça o seu próprio caminho. Somos vítimas de nossas escolhas, mas como diz o sábio Raul Seixas na canção “Por quem os sinos dobram”: “É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro”.  Até a próxima.

 

MELVILLE, Herman. Moby Dick. São Paulo: Cosac & Naify, 2008. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O PIANISTA (ŚMIERC MIASTA) - WLADYSLAW SZPILMAN

Vinícius, 18 - estudante

 Em O Pianista, Władysław Szpilman, um pianista judeu polonês, narra um dos momentos mais difíceis de sua vida: a ocupação nazista da Polônia. O livro mostra como os judeus foram privados de sua humanidade como mais uma forma de tortura nazista. Em 23 de setembro de 1939, Szpilman tocava na rádio "Noturno em dó menor" de Chopin enquanto Varsóvia era bombardeada. Essa foi a última transmissão de música na rádio ao vivo em Varsóvia. Com a rendição polonesa em 6 de outubro de 1939, a vida dos judeus muda totalmente, eles são obrigados a usar a estrela de Davi, sofrem restrições, perseguição e então são confinados no Gueto de Varsóvia.

Dentro do Gueto, Szpilman e sua família vivem a fome, doenças e a violência dos nazistas, que matavam sem piedade e não poupavam nem mesmo as crianças. Durante as deportações para os campos de concentração, Szpilman relata quando crianças órfãs são deportadas para o campo de Treblinka, naquele momento ele narra como elas, bem vestidas e limpas, vão direto para os trens que as levariam à morte em uma câmara de gás, sem saberem o que aconteceria.

Com as deportações, toda sua família é deportada para o Campo de Treblinka, um campo que, diferente de Auschwitz-Birkenau, não servia para trabalho, somente para exterminar os judeus. Diferente de sua família, ele escapa após um membro da polícia judaica o salvar da morte. Szpilman, após escapar da deportação, começa a narrar como teve que trabalhar no Gueto para se salvar de Treblinka e como ele conseguiu ajuda para fugir do Gueto e se esconder em esconderijos por meses até ter que fugir para não ser descoberto pelos nazistas.

Quando os soviéticos estão chegando a Varsóvia para libertar a cidade, ele encontra um piano em uma casa e toca "Noturno em dó menor" para um capitão alemão chamado Wilm Hosenfeld, que o ajudou a se salvar, oferecendo abrigo e comida até o exército vermelho libertar a capital polonesa. Szpilman não sabia o nome do capitão até 1951. Ele quis ajudar o capitão, que havia se tornado prisioneiro de guerra a ser libertado, mas, apesar dos esforços de Szpilman e dos poloneses para salvá-lo, Hosenfeld morreu num campo de prisioneiro de guerra soviético em 1952. Szpilman escreveu o livro em 1946, logo após o final da guerra, porém seu livro foi censurado pelas autoridades stalinistas e Szpilman teve que mudar a nacionalidade do capitão para austríaco, para não representar um alemão salvando judeus.

Szpilman descreve os horrores que presenciou com uma frieza cortante. No livro não há romanização, e sim a verdade de quem viu a civilização ruir. E é exatamente essa falta de heroísmo forçado que torna o livro impactante. Ele não sobrevive por meio de forças sobrenaturais, mas por acaso, astúcia e, às vezes, a pura sorte. A música aparece como o último resquício de humanidade em meio ao caos. A cena em que Szpilman toca Chopin para um oficial nazista é uma das partes mais simbólicas e uma parte de beleza em meio à ruína moral da guerra.

A escrita é objetiva e direta. Szpilman não busca piedade ou dó do leitor, apenas relatar os fatos. Cada página carrega silêncio e morte. O livro também faz refletir sobre a fragilidade da civilização, o quão rápido a cultura e a razão podem se desintegrar quando o ódio assume o comando. O Pianista é mais do que um relato histórico, é uma denúncia contra o esquecimento, é o lembrete do que o ódio pode fazer com milhares de pessoas inocentes.

SZPILMAN, Wladyslaw. O pianista. São Paulo: Record, 2024.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

A MALDIÇÃO DE NARCISO (SETEMBRO 2022)

Imagem gerada por IA

TEMA

Antes do pensamento racional e criterioso e do método científico, o mundo era povoado por mitos, um sistema de crenças que ilustrava ou até mesmo buscava explicar as questões mais constantes, presentes no cotidiano da humanidade. A riqueza da mitologia grega, a mais difundida no ocidente, sobreviveu até hoje, por meio de narrativas fantásticas, cheias de simbolismo, que intrigam e fascinam crianças e adultos. Entre essas histórias, uma das mais célebres é a do jovem Narciso, cuja influência é tão forte que criou o termo “narcisismo” usado pela psicologia e tão comentado atualmente. Isso sem falar na flor, que também leva seu nome. Foi pensando nesse mito, que eu resolvi recontar essa história, mas não resisti à tentação de fazer algumas alterações no seu desfecho, provocando uma pequena releitura a respeito da vaidade exacerbada.  

SINOPSE

Narciso é um jovem de beleza inigualável, por isso motivo de assunto, principalmente entre as moças, por toda a região. Acontece que esse presente divino veio acompanhado de uma vaidade sem limites. A decisão por priorizar a beleza física diante de qualquer outro valor humano, transformou o formoso jovem em uma pessoa arrogante. A pobre mãe, preocupada com o futuro do filho por causa de tal comportamento, recorre ao oráculo buscando por algum esclarecimento. Perante uma resposta estarrecedora, ela se dá conta de que seu filho caminha para um terrível desfecho. Poderá Narciso mudar o próprio destino? O que pode haver de tão terrível em seu futuro? Lei esta adaptação para o cordel em busca de respostas e se delicie com um dos mais famosos mitos gregos.

A beleza é mesmo um dom,

Não é fácil de negar.

Quando ela sai do tom,

Acaba por soçobrar,

Pois não traz nada de bom

Pra poder acrescentar.

 

No momento em que a beleza

Transforma-se em vaidade,

Nega a pura natureza

E vira futilidade.

Perde o status de grandeza

Pra virar mediocridade.

 

Preste atenção nessa história

Que eu irei te descrever,

Vou buscar lá na memória

Para que possa entender.

Beleza que só quer glória,

Termina por padecer.

 

Muito tempo vou voltar

Ao berço da narrativa.

Espero te emocionar,

A história é reflexiva.                                                                           

Tanta gente vai ficar

Depois dela, pensativa.

 

A distante Grécia Antiga,

O destino da viagem.

Meu amigo, minha amiga,

Venho pedindo passagem.

Sem descanso e sem fadiga

Pra buscar a personagem.

 

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

PREDESTINADO FIM

Crédito: 10 Star (Pixels)

 

Coração, por que ainda procede assim?

Pregando-me as mesmas peças

Induzindo-me ao ato precipitado, inconsequente,

Afirmando ser este o momento certo,

A oportunidade que não deve resultar em desperdício?

 

Por fim sempre acabo cedendo aos seus caprichos

E termino a recolher meus pedaços pelo chão

Espalhados como folhas ao sabor do vento...

 

A cada fracasso, sinto parte de mim a esvair

Aumentando o estado de minha fragilidade.

Toda nova tentativa aproxima-me

Da iminência de um ato suicida.

 

E assim, você me conduz, lentamente,

Ao trágico e totalmente previsível final

De minha inevitável sina.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

O MISTÉRIO DA CASA NA COLINA (AGOSTO 2025)

Imagem gerada por IA

 

TEMA

A temática dos causos de assombração, envolvendo o chamado “mundo sobrenatural”, sempre foram muito comuns e, portanto, apreciadas na cultura do sertanejo. São incontáveis as narrativas desse gênero, trazidas, inicialmente, do continente europeu, muito antes das lendas urbanas, dando origem a cordéis e até mesmo presentes em modas de viola como “Relógio quebrado”, de composição de José Russo e Teddy Vieira e ouvida na voz da dupla Nestor e Nestorzinho. Tais enredos sempre envolvem a questão de se crer ou não em relatos desse tipo, levando um protagonista incrédulo, que se tornou comum, muitas vezes aparecer na pele de corajoso e destemido, envolvido em alguma espécie de aposta, guiado em uma jornada ao desconhecido e trazendo desfechos um tanto inesperados. A partir desta expectativa, nasceu este cordel.

SINOPSE

 No bar de uma cidadezinha do interior, os homens estão reunidos, como de costume, para contar e ouvir diversos casos de assombração e mistério. Em meio a uma dessas narrativas, eis que ergue um forasteiro, chegado há pouco tempo àquela região. Ele zomba da natureza de tais histórias e alega que tudo isso não passa de fruto de superstições e crendices desse povo. Após dizer que essas histórias são causadas pela ignorância dessas pessoas, ele desafia que eles escolham um desses locais assombrados para que ele, com sua racionalidade imbatível e coragem, prove a todos eles que não passa de mais uma besteira. Eles então o enviam a uma casa amaldiçoada da qual ninguém nunca mais voltou. O que acontecerá a ele? Conseguirá vencer o tal desafio e provar de que tudo não passa mesmo de pura fantasia. Descubra o que existe, afinal, por trás de tanto mistério.

 Deixando a cidade grande

E o furor da capital,

Vamos para o interior

E seu clima especial,

Sua gente hospitaleira,

De cultura sem igual.

 

Não irei citar seu nome,

Pois não fará diferença.

Não aumenta ou diminui

A nossa devida crença.

Há tantas pelo Brasil,

Muito mais do que se pensa.

 

O povo desse lugar

Sempre gostou duma prosa,

Conversa tão animada

Numa amizade gostosa

Com gente descontraída

E para lá de amistosa.

 

Vamos ver do que se trata,

Meu caro amigo leitor,

Pois o rumo dessa prosa

Será muito tentador.

Vai deixá-lo curioso

Sobre qual o seu teor.

 

Foi numa mesa de bar                                

Que essa história começou.

Em uma dessas conversas,

Não sei quem iniciou.

Só sei que foi desse jeito

Que o fato se consumou.


MUITO MAIOR QUE O MUNDO

Crédito: Cup of Couple (PEXELS)   Eu não me importo que a sorte Possa mudar num segundo Que algumas forças me puxem Bem direto para o fundo ...